Sofia Stern é uma sobrevivente. Dona de um sobrenome judeu e sendo “convidada” a se retirar de seu país de origem, veio da Alemanha como refugiada de guerra no início dos anos 1940, trazendo nada mais que passaporte, mágoas e um livro marrom.
Anos depois, a idosa vive no Rio de Janeiro com o neto, Ronaldo, já adulto. O rapaz sempre foi curioso para saber mais sobre a história de sua avó, a qual mantém segredos demais e finge que nada aconteceu.
No entanto, ela não terá como impedir que venham à tona. O consulado alemão entra em contato com Ronaldo em busca da verdadeira Sofia Stern, única herdeira das joias de Klara Hansen, um dos nomes mais citados na Alemanha nazista.
O que essas duas tem em comum? E quais são os segredos da velhinha? Tudo está no livro marrom, o qual Sofia nega a existência. Porém, Ronaldo sabe que já o viu e que lá podem estar muitas respostas de um passado memorável, dependendo de qual ângulo você olhe.
“Com minha idade, vovó já havia enfrentado vilões históricos, atravessado o Atlântico e se casado com o homem a quem daria uma filha em 1954. Uma epopeia!”
Esse livro jamais estaria em meu radar se não tivesse ido em um sebo. Encontrei o exemplar autografado para o antigo dono e em bom estado de conservação. O preço também era convidativo e eu não resisti quando vi a sinopse.
Sempre gostei de livros que envolvem a Segunda Guerra Mundial, mas nunca tinha lido um que tivesse uma vibe de thriller no meio. Aqui, vemos os acontecimentos pelo ângulo de Ronaldo, tentando descobrir o passado de sua avó. Ele sempre foi curioso, especialmente porque a idosa desconversa e finge qualquer coisa toda vez que é questionada a respeito.
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Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna |
A única coisa que se sabe é que ela viveu numa Alemanha com o auge do nazismo. E, tendo um sobrenome judeu, não foi uma vida fácil. No entanto, de alguma forma ela conseguiu sobreviver e sair do país sem um arranhão. Mas a forma como fez isso ainda é um grande mistério para todos.
“Certa vez vovó disse que sua vida daria um livro a ser escrito por mim porque somente eu merecia saber ‘a verdade’. Qual verdade?”
Tanto que a justiça alemã se espanta ao descobrir que a senhorinha não apenas ainda vive do outro lado do oceano, como também herdou uma fortuna em joias. Os objetos valiosos eram propriedade de Klara Hansen, uma estilista ariana muito famosa na época, o que deixa todos muito curiosos, especialmente Ronaldo.
Contudo, por mais que conteste, não se pode fugir da justiça. Assim, o rapaz embarca com sua avó para a Europa, a fim de reclamar a herança, dar um depoimento e resolver as questões burocráticas. Mas para Ronaldo é, enfim, a chance de descobrir o motivo de Sofia agir da forma que age quando se fala do passado. Ainda mais porque ele encontra o tal livro marrom e tenta entender de uma vez por todas o que aconteceu.
A narrativa é não-linear e vemos um pouco do que acontece no presente (ambientado em 2013) durante o julgamento. Porém, conforme Ronaldo lê o diário, somos também enviados para os anos entre 1936 e 1938. Dessa forma, conhecemos uma Sofia mais jovem, bela e cheia de vida. Entretanto, por conta de seu sobrenome, precisou lutar muito para não ser excluída da sociedade.
Sua família era pequena, apenas ela e o pai, um afinador de pianos que depois ficou surdo. Entretanto, a paixão pela música era tamanha, que Sofia logo desenvolveu talento para o canto também. Apresentando-se em diversos cabarés com o nome de Estrela Polar, a jovem encantou muita gente nas noites frias de inverno.
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Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna |
Contudo também precisava estudar. Dessa forma, tentava sobreviver ao preconceito e bullying pelos próprios professores na escola. Tal situação deixa de ser um pesadelo, no entanto, quando uma aluna nova entra em sua turma: Klara Hansen. A mocinha poderia ser considerada uma “ariana pura e digna”, mas era muito tímida e inocente. Ao contrário, Sofia era uma jovem esperta e sempre alerta, protegendo a novata de certas situações.
Assim, nasce uma amizade sincera e destinada a viver uma vida inteira. Talvez até mais do que isso. Ambas são artistas à sua maneira. Enquanto uma cantava feito um passarinho, Klara fez seu nome como uma das estilistas mais renomadas da época. Antes mesmo de completar 20 anos, já via seus vestidos no corpo das damas mais ricas da sociedade alemã e tinha pedidos exclusivos para os eventos bastante badalados do país.
As duas se tornaram famosas muito rápido, o que fez suas vidas seguirem linhas diferentes. Contudo, o mundo dá muitas voltas e, mesmo distantes, ainda se manteriam bem mais próximas do que se pensava. Com o passar das páginas do diário (e do livro também), é curioso ver que existem espaços dedicados em detalhes para acontecimentos da vida de Klara.
Assim, fica a dúvida de qual seria o real papel da estilista na vida de Sofia. Até porque a vida delas parece se cruzar de uma forma tão perfeita, que fica a questão sobre quem de fato escreveu aquelas páginas.
“Um dia estaremos juntos diante um homem velho. Perto do homem, outra criança verá nossos retratos e perguntará: quem são eles, vovô? Todos sorriremos sem responder.”
Além disso, vemos um pouco de suas vidas amorosas. Klara seguiu o que a sociedade ariana mandava, enquanto a Estrela Polar foi mais pelo coração. No entanto, não me pareceu que nenhuma das duas foi de fato feliz. Elas comeram o pão que o diabo amassou três vezes e ainda precisavam sorrir e fingir que
estava tudo bem.
Confesso que eu fiquei com muita pena de Klara, que viveu um conto de fadas instantâneo e depois foi tratada feito lixo. Acabou entrando para as estatísticas de mulheres enganadas pelos embustes da vida e, sinceramente, achei foi bom o destino do cretino.
Sei que pareço uma justiceira falando, mas pelamor! O cara tratava a mocinha feito uma princesa, faz promessas de casamento para a família dela (sim, ele seguiu todos os protocolos e colocou uma aliança no dedo da garota!). Depois trata a coitada como não se faz nem com um cachorro e tem a capacidade de se casar com outra.
Pior foi Klara ainda tem que ir na cerimônia e mostrar para todos que está tudo bem! Eu iria com meu vestido mais bonito, um sorriso vingativo e uma tocha, para colocar fogo no terno bem cortado daquele safado, isso sim!
Sofia, por sua vez, quase acertou na loteria do amor… quase. Ela sempre teve uma quedinha por Hugo, irmão mais velho de Klara. E confesso que meu coração pulou de alegria quando vi esses dois se acertando.
Talvez por isso eu tenha sofrido um pouco também no meio do caminho. O rapaz era rebelde (com causa), mas também imprudente e imaturo em diversos momentos. O que me fez passar raiva e querer que ele sofresse combustão instantânea que não faria falta.
Mas confesso que ele me ganhou na insistência, o que até explica o título do livro. Se no passado eu teria mandado ele pastar, vendo os fatos pelo ângulo dele hoje, me vi sentindo compaixão e passei a torcer pelo seu final feliz.
“Como definir aquele homem? Um romântico incurável, um profeta, um teimoso, um maluco?”
Mas às vezes a vida vem e nos dá umas rasteiras que não conseguimos entender. O casal foi separado por um oceano de distância, mas sua história virou praticamente uma lenda alemã.
O que Ronaldo vê de perto ao chegar na Europa. Além disso, ainda faltam muitas peças nesse jogo, em especial a relação das duas amigas com as joias e porque ninguém quer que Sofia as pegue.
O clima de thriller noir toma conta e qualquer pessoa pode estar em meio a uma conspiração de décadas para impedir que a moça retorne para casa. O rapaz se vê cada vez mais enredado, confuso e curioso com tantas informações novas, o que deixa o leitor também mais ávido por respostas.
Confesso que fui criando minhas teorias ao longo das páginas, mas nem eu nem Ronaldo fomos capazes de acompanhar tantas pontas soltas. Como resultado, fomos feitos de trouxa em cada capítulo, o que me deixou ainda mais fascinada com essa trama.
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Foto: Hannade Paiva | Mundinho da Hanna |
Tanto no presente quanto no passado, parecem que certas coisas ainda valem a pena ficarem escondidas, custe o que custar. E mexer nelas pode trazer muito mais do que dor e mágoa.
Com essa leitura, passei raiva, tive revolta, me apaixonei e tive tantas surpresas, que nem tenho mais dedos para contar. O desfecho acompanha tudo isso e eu gostei bastante, mas terminei sentindo saudades.
Me apeguei demais à dupla Klara e Sofia, duas amigas improváveis, mas que nem o tempo foi capaz de separar. Assim como também pude acreditar em amor de verdade, vendo o que Hugo foi capaz de fazer por sua amada durante tantos anos (até fiquei com os olhos marejados).
Falando sobre o livro em si, a edição dele está muito bem conservada. A capa me lembra muito as edições dos anos 1940, em tons sóbrios e discretos. A diagramação também é simples, com uma fonte confortável à leitura.
Curiosamente, por ser um exemplar usado, me surpreendi com diversas anotações ao longo das páginas (algo que não tenho o hábito de fazer, haha). Mas achei interessante que o antigo dono teve suas surpresas nos mesmos pontos que eu.
Em resumo, esse livro me foi uma grande surpresa. Descobri que ele não mudou de capa, mas ainda está à venda em um preço acessível. Então, recomendo que leia. Vai se surpreender com o que uma velhinha pode te contar.
Luciano Otaciano
Oi, Hanna. Tudo bem? Parece um livro instigante, né? Que bom que curtiu a obra. Não conhecia este livro. Fiquei curioso. Abraço!
https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
Brenda Silva
Oi Hanna
Menina eu nunca tinha ouvido falar desse livro, mas agora fiquei mega curiosa pra ler!
Já coloquei aqui na minha lista de leituras, obrigada pela indicação 🙂
Beijos,
https://brenshelf.blogspot.com/
Hanna Carolina Lins
Eu recomendo, viu? Ainda mais se curte essa vibe de espionagem.
Hanna Carolina Lins
Não me espanta que não conheça, Luciano. Eu mesma não conhecia ele também, haha. Mas gostei bastante e recomendo a leitura, =)