Olá meu povo, como estamos? Fazia tempo que não falava de um livro de Agatha Christie por aqui. Então vamos matar as saudades com ‘A Mansão Hollow’ que finalizei esses dias.
Livro: A Mansão Hollow
Autoria: Agatha Christie
Tradução: Vânia de Almeida Salek
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2009
Páginas: 252
País: Inglaterra
Formato: Impresso
Nota: 4/5
Em um fim de semana que deveria ser divertido, a Mansão Hollow é preenchida pelos convidados da extravagante anfitriã Lucy Angkatell, e isso inclui a presença de Hercule Poirot. Porém, ele é surpreendido ao ver um corpo ensanguentado à beira da piscina, e o primeiro pensamento do detetive belga é de que aquela é uma cena muito bem planejada para enganá-lo. O que o investigador não esperava era que o homem estivesse realmente morto, e que o sangue escorrendo para a água era real. Agora, Poirot é tragado para uma teia de mentiras, segredos e envolvimentos passionais em uma narrativa repleta de reviravoltas que apenas a Rainha do Crime poderia proporcionar com tamanha maestria em um de seus maiores e mais aclamados clássicos.

Hercule Poirot está passando um fim de semana tranquilo após seu último caso e só queria um pouco de descanso. Convidado por Lady Angkatell a passar uns dias em sua mansão e até participar de um almoço, ele estava pronto para bons papos e uma refeição gostosa.
Ao chegar no local, testemunha uma cena de crime tão artificial e amadora, que o deixa zangado. Afinal, ele já sabia da personalidade extravagante de sua anfitriã e era uma piada de muito mau gosto. Contudo, o detetive percebe que está diante de algo tão verdadeiro, que é inacreditável. Agora, lhe resta fazer o que sabe de melhor para descobrir quem seria o responsável.
Nossa, como fazia tempo que eu não lia nada da “Rainha” Agatha Christie. Que ela tinha talento para escrever mistérios e fazer o leitor de trouxa, isso a gente já sabe. E tem várias de suas obras que planejo conhecer um dia e montar minha coleção (que está indo a longo prazo).
Aproveitei que ‘A Mansão Hollow’ era a leitura da vez do Clube Lendo com Os Morcegos e resolvi procurar pelo livro no sebo (pois o novo está caro atualmente). Felizmente encontrei um exemplar mais antigo e mergulhei na aventura de Poirot.
A escrita é tão fluida, que devorei a história em apenas dois dias. Mantendo a marca de soltar as pistas e enrolar o leitor até o último minuto, a autora soube fechar o arco de modo satisfatório e trazer respostas que faziam sentido. Porém, esse foi um dos livros que menos gostei.
A narrativa é contada em terceira pessoa. Assim podemos ver os fatos por um ângulo mais geral em todos os núcleos. O elenco é relativamente pequeno, o que ajuda a saber quem é quem e prestar atenção aos detalhes (por mais inocentes e ridículos que fossem).
No entanto, a autora foi contra todos os outros livros que já escreveu e me causou um choque. Ao contrário de outros títulos em que já caímos de paraquedas no mistério, aqui ele só começa mesmo a partir da página 100. Antes disso, ficamos com uma narrativa tão extensa e maçante sobre a personalidade e o comportamento dos personagens, que desanima.
Embora seja importante para termos uma noção do que vai acontecer com os personagens, achei que esse cenário poderia ter sido reduzido para deixar a história mais dinâmica. Além disso, ela se faz desnecessária e até ofensiva, visto como uma das protagonistas é retratada ao longo das páginas.
Aqui somos apresentados aos membros da família Christow, que tem um bom relacionamento com os milionários Angkatell. A relação deles é tão antiga que sempre são considerados para reuniões e festas, como a que vai acontecer no próximo final de semana.
“Estavam todos lá, presos e embaralhados nas malhas da lei. Ligados, por curto período, pelas consequências inexoráveis de uma morte súbita e violenta. Cada um deles tinha sua própria tragédia e explicação, sua própria história.”
No entanto, o que seria apenas um almoço tranquilo e com bons momentos irá se transformar em tragédia logo logo. Isso porque John Christow é encontrado morto na beira da piscina e tudo parece apontar para Gerda (a esposa) ser a culpada.

A cena não tem muito o que discutir. Afinal, ela segurava a arma do crime, o marido estava ensanguentado e morrendo, tinha testemunhas (incluindo o próprio Poirot). Então seria bem fácil de resolver e encerrar o caso.
Porém, Poirot sabe que as coisas parecem ajeitadas demais e tem algo errado. Mesmo sendo um detetive bastante requisitado, dessa vez está na reserva, por ter envolvimento direto com o ocorrido. Mas isso não impede que ele coloque sua massa cinzenta para funcionar e descobrir o que está faltando no quebra-cabeça.
Esse foi meu primeiro contato com um livro em que o detetive não atua liderando as investigações. Por isso, senti estranheza em ver que ele mal aparecia nas cenas. Mesmo nas poucas vezes em que surge, faz um bom trabalho e ainda me garantiu ficar de queixo caído com as revelações. Porém, essa sensação de desconforto se manteve por diversos outros motivos.
A começar pelo início detalhado demais (desnecessariamente) e que me incomodou, mostrando o quanto as pessoas podem ser fúteis e fazer nada de importante na vida. Um exemplo claro disso é Lady Angkatell, que parece ter vindo ao mundo a passeio. Nada do que ela fala faz sentido e passa seus dias vagando de um cômodo para outro da mansão, deixando todo mundo confuso (se os próprios parentes não entendem o que ela fala, acha que eu vou entender?!).
Sua mente é tão acelerada, que as ideias se convergem de modo que nem ela mesma entende. E isso resulta numa pessoa que fala demais, porém pouco diz.
O que não é nem um pouco proveitoso se for testemunha de uma cena de crime. No entanto, a socialite parece se divertir com o fato de ter um morto em sua casa, pois só assim ela tem o sonho realizado de fazer um de seus jornais favoritos se tornarem realidade ao alcance dela.
Seu comportamento de libélula afetada causa não apenas estranhamento, mas também a desconfiança de Poirot, que começa a juntar as peças e entender o que está acontecendo. E enquanto ele faz isso, conhecemos os demais personagens, que parecem ter diversos segredos importantes.
A viúva, Gerda, é uma moça tão devotada ao marido (mesmo depois de morto), que chega a doer. Seus pensamentos todos convergem a quanto ela pode agradar o esposo da melhor maneira.
Entretanto, me deu agonia e pena ler suas cenas, pois só via uma mulher que vivia de migalhas de um sentimento que claramente não era recíproco e ela precisava lidar com o olhar condescendente de todos à sua volta (que pareciam saber do mesmo fato).
“-Não adianta nada acharmos uma coisa só porque queremos que seja verdadeira. É a solução perfeita, deixando todos nós de fora!”
Além disso, achei deveras ofensiva a forma como a autora se referia à personagem. Acho que se fosse hoje, Gerda seria diagnosticada com um espectro autista com hiperfoco em alguns temas curiosos. Mas na época, não tinha muito conhecimento a respeito e todos, incluindo a própria Gerda e seu marido (super amável, sqn), a retratavam como “a lerda”, “a idiota”, “a obtusa”.

Tentei relevar, por considerar a época em que a trama é ambientada (e que foi escrita também, com o conhecimento que era atual). Mas ainda me causou agonia e fiquei imaginando como seria a vida de pessoas do espectro convivendo nesse tipo de sociedade. Se nos dias de hoje, com o conhecimento que temos, ainda vemos cenas de descaso e preconceito, imagina você viver sua vida inteira sendo chamada de “burra” ou de “imbecil” por não ver o mundo do mesmo jeito que a maioria?
E a situação de Gerda piora quando os holofotes das manchetes de jornal caem em cima dela, por ser a única suspeita de assassinar o marido. O que só aumenta quando Poirot percebe o quanto os Angkatell parecem se divertir com tudo que está acontecendo. Ninguém na mansão parece são das ideias, ou talvez tenham isso como escudo para esconder seus segredos mais obscuros.
Tudo é possível e a gente vai criando mil teorias, conforme o elenco secundário se apresenta. Como por exemplo, Henrietta, a escultora que sonha em viver um amor estilo ‘Romeu e Julieta’, mas acaba em ‘Sonho de Uma Noite de Verão’.
Por sua vez, Verônica Cray é uma atriz de cinema famosa (e mimada) em Hollywood e tem tudo na mão, mas nunca esqueceu seu amor de juventude e está disposta a tudo para ter de volta. Midge parece ser a única sensata entre os Angkatell, vivendo sua vida de CLT e tentando não se contaminar com o vírus da riqueza da família.
Os empregados parecem fiéis demais aos patrões e dispostos a proteger qualquer segredo que escondam, por mais ínfimo que seja. E Poirot só se vê mais intrincado nessa teia e sem uma vislumbre de como vai resolver tudo.
É uma leitura que traz muitos questionamentos, enquanto sociedade, humanidade e sentimentos profundos. Mas também promete reviravoltas e desfechos ao estilo já conhecido de Agatha Christie.
“Foi tudo muito amigável. Ele não sabia – jamais saberia – exatamente o que ela estava sentindo. O paraíso servido em um prato; e o prato se quebrara e o paraíso escorregara por entre seus dedos, ou, talvez, jamais estivesse estado ali.”
No entanto, eu criei tanta expectativa, que me decepcionei com o andamento da trama. Achei que falou um pouco de liga entre os personagens e a própria investigação para me deixar mais imersa.
Ao meu ver, a autora se preocupou tanto em deixar claro o quanto Gerda era “lerda”, que esqueceu do mistério principal. E quando se lembrou, amarrou de forma corrida e estranha, o que não combina nem um pouco com o estilo que eu via em livros anteriores.
Talvez por isso não leve nota máxima e nem seja dos meus favoritos. Mas valeu a leitura, para conhecer mais um pedaço de seu legado e ter uma opinião a respeito.

Falando sobre o livro, eu li uma versão antiga, das que tinham capas em formato de quadro (com direito a spoiler e tudo, haha). Particularmente eu gosto dessas edições, acho que deixam a estante com cara de biblioteca antiga. As páginas são mais grossinhas e a letra tem um tamanho bom para ler sem forçar a vista.
No entanto, como já é conhecido nessas edições da Nova Fronteira, tem muitos problemas de revisão. Mas era a versão mais em conta do livro, então valeu a compra.
Em resumo, ‘A Mansão Hollow’ é uma leitura muito boa para passar um final de semana. E é também um bom título para quem estiver com vontade de começar a se aventurar nos romances da autora. Mas não crie expectativas.
Texto revisado por Emerson Silva