10 de June de 2021

Eu estou aqui | Clara Savelli

Olá meu povo, como estamos? Depois de um tempo longe dos contos de Femme Fatale, voltei com a resenha de Eu estou aqui, da autora nacional Clara Savelli.
Eu estou aqui | Clara Savelli
Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna

 

Obs. Esse livro contém gatilhos de abuso, estupro, homicídio e misoginia. 

27/24
Livro: Eu estou aqui
Autora: Clara Savelli
Editora: Increasy
Páginas: 88
Ano: 2020
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Ella sempre sonhou em entrar para a Marinha e viver embarcada em navios gigantescos, apesar de saber que o pai, uma lenda da instituição, faria de tudo para impedi-la. Para ele, um navio “não é lugar para mulher”, mas Ella jamais deixaria que isso a impedisse de correr atrás de seus sonhos.
Quando é aprovada em uma pré-seleção para passar duas semanas dentro de um navio e ter a oportunidade de ser convocada como parte da equipe fixa da embarcação, Ella mal consegue conter a felicidade. No entanto, ser a única mulher entre os colegas marinheiros não é nada fácil, e um acontecimento terrível faz com que entenda que a realidade é muito mais dura do que imaginava.
Talvez suas habilidades não sejam suficientes para transformar um sonho em realidade, mas Ella lutará até o fim. Talvez suas habilidades não sejam suficientes para transformar um sonho em realidade, mas Ella lutará até o fim e aprenderá que, quando ninguém te ouve, às vezes é necessário se unir a outras vozes.

 

 
 
 
Eu estou aqui | Clara Savelli
 
 
Eu ia ler esse conto logo no começo do ano, mas quando vi os alertas de gatilhos, achei melhor esperar até que eu estivesse realmente bem para ler algo assim. Ariella Menezes é cabo da Marinha e está prestes a realizar o sonho de trabalhar embarcada.
Ella tinha esse sonho, de tanto ver seu pai saindo em missões pelos mares afora. O apelido de “Rei dos Mares” que lhe conferiam só alimentou mais ainda o sonho de Ella, que também queria viver nos mares. 
Sua mãe sempre lhe apoiou nas escolhas, mas seu pai nem tanto. Ele sempre dizia que a Marinha não era para mulheres. Comentários assim acabavam entrando e se aprofundando na mente das irmãs de Ella, que ecoavam essa frase para que desistisse de ser membro das Forças Armadas.
Mas Ella, destemida e disposta a provar pro mundo que estava errado sobre isso, não obedece seu pai e se inscreve. Seu pai não a impede, mas sempre dá um jeito de puxar o seu tapete, impedindo que a menina cresça dentro da profissão que escolheu.
Isso só deixa Ariella com mais raiva e disposta e provar mais ainda para todo mundo do que é capaz. Só que ser filha do “Rei dos Mares” não ajuda muito nisso, já que a piadinha de que ela só conseguiu o que conseguiu por ser filha de almirante vira até um estigma.
Mesmo com tudo conspirando contra, Ella não desiste e vai até o fim na missão de trabalhar embarcada, seu maior sonho. Mas ele se torna um pesadelo quando Ella descobre que as coisas parecem não funcionar da mesma maneira que em terra, já que fazem de sua vida um inferno ainda maior. Inferno esse que mulher nenhuma desejaria viver.

“Mas a pior parte é que não me arrependia nem um pouco, nem por um segundo, nem mesmo com toda aquela pressão. […] mas eu jamais estaria arrependida de lutar por mim.”

Bom, pelos nomes dos personagens, vemos que Eu estou aqui é uma releitura de A Pequena Sereia, uma das personagens mais sofredoras e iludidas dentre os contos de fadas. Aqui, notei que a autora ficou mais próxima da versão da Disney, já que a personagem tem uma variação de Ariel, Ariella.
Ariella, assim como a Ariel da Disney, nasceu e cresceu num ambiente quase controlado pelo machismo do pai. O “Rei dos Mares” sempre ditava as regras de que “mulher só pode isso ou aquilo”, que suas irmãs sempre baixaram a cabeça e obedeceram sem nem piscar.
Mas quando ele virava as costas, sua mãe alimentava os sonhos das meninas, o que deu mais forças para Ariella, de seguir os passos do pai. O que poderia ser um motivo de orgulho para o almirante Tiagão, já que teria mais uma geração da família nas Forças Aramadas, acabou gerando efeito contrário, já que ele sempre dizia que “Marinha não é para mulheres e ponto final”.
Ariella, que tem uma personalidade tão forte quanto seu pai, e não estava disposta a ser dominada por isso, decide enfrentá-lo e se inscreve na Marinha, o que só gera faíscas entre os dois, ainda mais após a morte de sua mãe. Essas faíscas só aumentam quando Ariella resolve entrar no preparatório para trabalhar embarcada e é pré-selecionada.
Tiagão tenta de todas as formas impedir que Ella embarque, mas a mocinha está decidida e não vai desistir só por causa dele. Ela quer provar que pode sair da sombra do “Rei dos Mares”, mas o poder dele parece ser tão grande, que vai ser uma missão quase impossível conseguir isso, especialmente quando ela entra na corveta.
Não apenas seu pai, mas toda a Marinha tem um pensamento misógino e retrógrado demais, o que torna o ambiente hostil para qualquer mulher, independente do quanto ela se esforce. É impossível não se solidarizar com Ella quando lemos as coisas que lhe acontecem.
As piadinhas ridículas, as tentativas de inferiorizar todas as suas conquistas, já que “a princesinha só conseguiu as coisas porque é filha do chefão”, por mais que ela só tire nota alta em tudo que faz. Eu nunca fui das Forças Armadas, mas entendi as coisas pelas quais ela passava, já que nas artes marciais sofri coisas parecidas.
Foi quase impossível não me lembrar de tudo o que passei e do que senti toda vez que eu passava e me graduava, mas ouvia que “por ser mulher, pegavam mais leve comigo nas avaliações e me graduava por consideração”. Mas era nunca por mérito meu, que treinava feito uma condenada para fazer o que deveria ser feito.
A situação fica ainda mais forte, porque a narrativa é pela visão da própria Ella, que descreve em detalhes o que passa, e como é tratada quando coisas horríveis acontecem na embarcação, mas tudo gira em torno de Ella ser a culpada, pelo simples fato de ser mulher. É frustrante e revoltante saber que essas coisas não são só ficção, muito pelo contrário. Elas aconteciam e ainda acontecem no mundo real. Tantas vezes que dá medo.
Ella é humilhada, condenada e tratada como a vilã, quando ela apenas estava lutando para ter seus direitos vistos e respeitados.

“Eu já tinha ouvido todo tipo de despautério desde que entrei na corporação, mas isso não fazia ser mais fácil.”

Ainda bem que era um conto e as coisas se resolvem mais rápido. Pois não sei se teria estômago para continuar lendo mais coisas horríveis como estava lendo aqui. A escrita de Clara é fluida e sem rodeios, mas ela toca em assuntos fortes com uma maestria que só quem é mulher vai entender tudo aquilo e se sentir na pele de Ella.
A vontade que eu tive foi de abraçar Ella e socar a cara de cada marinheiro que apontava o dedo pra ela e dizia coisa horríveis. Quantas vezes ainda temos que gritar que lugar de mulher é onde ela quiser?! Quantas vezes ainda temos que provar que podemos fazer as coisas, pois não somos só mulheres, somos humanas, pensamos e temos problemas como qualquer um e merecemos respeito e ser tratadas com dignidade, no mínimo.
Ao longo das 88 páginas, vamos vendo Ella rumando para seu “final feliz” e é impossível também não se sentir de alma lavada ao ver o que ela consegue, mas gostaria mesmo era que todas nós também conseguíssemos o que Ella conseguiu.

“Gostaria de viver em um mundo em que nenhuma mulher precise passar pelo que eu passei!”

Ao contrário de Ariel, a princesinha curiosa e inocente, Ariella é forte, madura e muito esperta. Especialmente no ambiente em que cresceu, Ella não está disposta a baixar a cabeça para qualquer homem que queria inferiorizá-la.
Apesar dos gatilhos, foi a releitura que mais gostei, por causa da personagem principal. Ariella me surpreendeu pela sua coragem, força e pela revolução que foi capaz de fazer no mundo, o que me fez quase bater palmas quando li o desfecho. Aliás, o final é fechado, satisfatório e gostei de ver as versões dos outros personagens, que se encaixaram muito bem e tiveram finais também adequados.
Com relação ao livro em si, a capa traz, assim como os outros contos, a princesa da vez de costas para o leitor. Então temos Ariella segurando o quepe, representando sua profissão na Marinha. Além, disso, a revisão está muito bem feita, assim como em todos os contos, e a fonte é de tamanho legível. Finalizando, mesmo sendo um conto, rapidinho e com assuntos bem fortes, eu gostei da narrativa e dou a nota máxima.

 

 

Já leram esse conto? E a antologia Femme Fatale? Me contem aí!
Postado por:

Hanna de Paiva

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