Malcolm Kershaw é um livreiro especializado em obras de suspense. Passando por várias livrarias, o destino o levou a ser dono da Old Devils, em Boston. Sua rotina era a mesma de todos os dias: ir à livraria, ter a companhia de Nero, o gato de estimação que fica na loja, e cuidar das encomendas pela internet.
Porém, sua paz está com os dias contados, quando Gwen Mulvey, uma agente do FBI, bate à sua porta, afirmando que precisa de ajuda urgentemente. Eis que, logo que começou a trabalhar na Old Devils, Mal escreveu alguns posts para o blog da livraria. E o primeiro foi uma lista, compilando os oito assassinatos mais perfeitos da literatura.
Embora não tenha rendido tantos comentários quanto ele esperava na época, agora, anos depois, alguém teria se espelhado na lista para cometer uma série de assassinatos. Quem seria o assassino? Um fã de literatura? Alguém do passado de Malcolm? Ou simplesmente alguém que queria ver o circo pegando fogo? E como conseguir reproduzir crimes tão perfeitamente como os dos livros?
São muitas perguntas e o tempo é curto para desvendar os mistérios, ainda mais porque novos assassinatos da lista podem acontecer se o culpado não for detido rapidamente. Assim, Gwen e Mal precisam agir rápido, antes que seja tarde demais.
“Os livros nos fazem viajar no tempo. Todos os leitores de verdade sabem disso. Mas os livros não nos levam para o momento em que foram escritos. Eles nos fazem lembrar de nós mesmos em outra época.”
Essa foi minha terceira leitura com o Clube Lendo com os Morcegos. Logo que o livro foi escolhido, lembro que teve uma pequena discussão entre os membros, por conta dos benditos oito assassinatos mencionados no livro. Isso porque o autor teve a boa sacada de trazer referências clássicas de thriller em sua obra. Mas a forma como fez isso foi problemática.
Logo no começo da trama, boa parte dos livros é revelada, com Malcolm praticamente contando as tramas inteiras para o leitor. E só depois, quando ele se recorda da lista, é que o autor se preocupa em avisar para o leitor que tem spoilers e que “devemos nos preparar antes de continuar”.
Achei isso um tanto chato, pois o aviso deveria ter vindo antes do Malcolm acabar com minha alegria, revelando praticamente o enredo todinho de livros da Agatha Christie, que ainda não tive o prazer de ler. Se você se incomoda de receber spoilers, com certeza essa leitura não é a mais adequada, a não ser que tenha lido as outras obras antes.
Embora algumas delas não tenham sido publicadas em português, são encontradas no idioma original e estragariam a experiência do mesmo jeito. Eu li de enxerida, pois não me incomodo muito com spoilers, porém acabo demorando mais ainda do que o esperado para ler, esperando a “poeira baixar” e ter a emoção de ler pela primeira vez.
A narrativa de ‘Oito Assassinatos Perfeitos’ é em primeira pessoa, pelo ponto de vista do protagonista Malcolm. Ele é um homem que beira os 50 anos e viveu bastante no ramo literário. Começou como vendedor, onde descobriu o seu amor pelos livros de mistério, em especial os mais clássicos.
Foi pelas livrarias também onde conheceu Brian, aquele que viria a ser seu sócio na Old Devils, anos depois, assim como sua esposa, Claire. Hoje ele toma conta da sua loja junto aos seus dois
empregados, além de desfrutar da companhia de Nero, um gato muito fofo, que encanta a qualquer pessoa que chegue por lá.
Com o passar dos anos, o amor que Mal tinha pelos livros de mistério o fizeram se tornar referência. Assim, a livraria virou quase um ponto turístico para quem visita Boston e não foi surpresa quando a agente Gwen Mulvey chegou perguntando o nome do local e por seu respectivo proprietário.
Aos poucos, Gwen conversa com Malcolm e revela o motivo de estar ali, em meio a um inverno rigoroso: alguém está cometendo crimes pelos arredores, baseando-se em uma lista que ele escreveu décadas atrás, quando se tornou dono da Old Devils. E quem melhor do que o autor da lista para ajudar nas investigações?
Ele desconfia das intenções da agente do FBI, mas as coisas parecem ser sérias, conforme os casos, que aparentemente seriam crimes independentes entre si, mostram ter uma conexão: a ordem dos livros que Mal elencou no blog, há muito esquecido. Assim, ele acaba caindo de paraquedas no meio da investigação, tentando descobrir quem seria capaz de concretizar crimes tão brutais quanto os das imagens que lhe são apresentadas.
E, como a lista ainda não acabou, precisam correr contra o tempo, antes que mais inocentes morram. Percebi que Malcolm é um homem bastante melancólico. Conforme lia, fui entendendo o porquê. Vendo as coisas pelo lado dele somente, é impossível não ter um vislumbre dos sentimentos que ele teve ao contar fatos de seu passado, que giram em torno da época em que escreveu a tal lista.
“Quando são bons, e acredito que existem muito poucos bons poemas, lê-los me dá a impressão de que emitem antigos sussurros.”
Naquela época, mais jovem, Mal passou por situações desconfortáveis, que teriam sido bem resolvidas se tivesse ido a algumas sessões de terapia e cultivado amor próprio. Claire, a esposa adorável e apaixonada, poderia ser um doce de pessoa na sua frente. Mas pelas suas costas, as coisas não eram bem assim. Briam, o sócio e também autor de thrillers, era um grande amigo e mostrava ter uma vida bem-sucedida.
No entanto, olhando mais de perto, era possível ver algumas falhas na sua alegria. Todos parecem ter uma aura mais sombria, ou talvez seja a visão deturpada de Malcolm, para enganar o leitor, já que ele não se faz um narrador confiável. Assumiu o caso dos assassinatos em série para si, como se fosse uma válvula de escape, para sair da rotina monótona que ele mesmo criou.
“Quando conhecemos alguém, antes de qualquer coisa ser dita, já existem mentiras e meias verdades.”
Assim, acaba saindo na frente de Gwen e começa a investigar quase que por conta própria, lendo os livros e procurando um motivo que dê um toque de realidade nas cenas dos crimes relatadas. Mas confesso que fiquei impressionada com a agilidade dele em ler livros tão pouco tempo.
Tudo bem que alguns livros a gente lê em uma sentada, pois são curtinhos e fascinantes demais para largarmos no meio dos acontecimentos.
Mas achei um tanto corajoso da parte dele (ou doido mesmo) falar que relia livros de quase 300 páginas em uma única madrugada, depois de passar o dia inteiro bancando o detetive enxerido, tomando conta de uma livraria nas horas vagas e ainda tinha energia para começar tudo de novo no dia seguinte. Ainda mais por deixar bem claro que, embora trabalhe numa livraria especializada em romances de mistério, tais obras não são mais a praia dele e prefere passar longe.
Confesso que não conseguiria me concentrar para ler uma única linha, se tivesse no lugar dele. Ainda mais depois de passar o dia todo gastando sola de sapato resolvendo casos que não são meus. No mínimo teria dormido por cima dos livros e bancado a egípcia no dia seguinte.
“Ser um leitor ávido de livros de mistério durante a adolescência não o prepara para a vida real.”
Gwen, por outro lado, parece esquecer como se investiga um caso e só me fez passar raiva. Como que uma pessoa em sã consciência, tem todo o esforço de passar na seleção para o FBI, se torna uma agente conceituada… mas praticamente larga o caso na mão do Malcolm, um civil e que poderia muito bem ser um suspeito?!
Não entendi o que o autor queria com isso, sinceramente. A detetive chega chegando na livraria, quase sabendo a cor da cueca do Malcolm, de tão preparada, e do nada começa a fazer burrada atrás de burrada. Depois simplesmente some com um mero puf! E aparece aos 45 do segundo tempo como se só tivesse ido ali na esquina e tá tudo numa boa.
Os outros detetives que aparecem para ajudar são outros personagens mal aproveitados, pois entram mudos e saem calados, sem motivo aparente, e ficou tudo nas costas do Malcolm pra resolver depois. Era mais fácil fazer dele o único investigador amador, pois deixava a trama mais convincente e não com a sensação de personagem esquecido no churrasco.
O que salva é que, apesar da narrativa ser detalhista e sombria demais (mais até do que o necessário), a escrita compensa, sendo fluida. Então, a leitura foi mais rápida do que eu esperava. E teria sido ainda mais rápida, se o autor tivesse se preocupado mais em manter sua própria narrativa, do que fazer o livro de blog literário e encher de resenha de outros livros.
Aliás, falando neles, apesar de serem importantes para a lista e os fatos a seguir, achei que foram mal aproveitados na trama. Isso porque o autor preferiu resumir os livros todos, mas não entrou em detalhes no que devia, como explicar o porquê de terem a ver com os casos que caíram no colo do protagonista, ou mesmo como ele chegou à conclusão que tinha algo a ver com as obras.
Simplesmente ficou a informação jogada ao vento e me vi perdida em diversos momentos, sem saber onde estava terminava o livro citado e começava o crime investigado. Porém, a leitura não foi de todo ruim, pois quando finalmente me entendi com a trama, as revelações sobre quem era o real culpado são surpreendentes.
Apesar das decepções ao longo do caminho, ainda teve espaço para me fazer de trouxa e fiquei surpresa até o último momento. Contudo, preferia que tivesse sido melhor amarrado e não jogado de forma preguiçosa, como me pareceu.
A impressão dada era que o autor se perdeu no meio do caminho e precisava terminar dentro do prazo. Então deu um “jeitinho americano” (se é que isso existe) e amarrou as pontas sem pensar
muito. Fez sentido para o que vinha sendo apresentado? Sim. Mas não tive a emoção que teria se não tivesse ficado perdida nas informações páginas atrás.
Falando sobre o livro em si, a versão que peguei (digital) tem uma revisão muito bem-feita, e a diagramação está ok. A capa é simples, mas não é das mais bonitas. Traz um livro sangrando e misturado num tipo de piso de madeira.
Em resumo, eu gostei da leitura, por conta das reviravoltas que me mantiveram imersa em boa parte, além da escrita mais fluida. Mas não é um livro que leria novamente.
E aí, já conheciam esse livro ou leram algum outro do autor? E curtem esse tipo de suspense, cheio de referências (spoilers) de outros livros clássicos? Me contem aí!
Luciano Otaciano
Oi, Hanna. Como vai? Parece uma obra bastante interessante. Fiquei curioso. Que bom que você tenha curtido, embora não o lesse novamente. Abraço!
https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
Sil
Olá, Hanna.
Eu não me importo com spoilers, pelo contrario fico até correndo atrás e por vezes leio o final antes hehe. Me dá mais vontade de ler o livro. Isso não ia me incomodar no livro, mas as outras coisas que você citou sim. Por isso acho que é um livro que eu não leria.
Prefácio
Hanna Carolina Lins
Sim, é um bom livro, apesar dos pesares, rs.
Hanna Carolina Lins
Eu já tive essa fase, mas acho que meus gostos literários mudaram, hehe. Mas entendo seus motivos para não querer ler esse livro. =)