5 de February de 2019

Resenha: Entre barbantes

Olá meu povo, como estamos? Hoje temos resenha de mais uma leitura concluída em 2019, também em parceria com uma autora nacional e bem jovem. Estou falando de ‘Entre Barbantes‘, da autora Letícia Mariana.

 

 

Entre barbantes
Foto: Divulgação

3/33

Livro: Entre barbantes

Autora: Letícia Mariana

Editora: Multifoco

Ano: 2018


Páginas: 300

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Rastros de súplica e silêncio ecoam no dia a dia. Vitória enfrenta assombração e encantamento, o distinto que completa sua mais plena essência. Entre prosa e verso, o filosófico e o mental narram sua história como quem narra o último suspiro. Clichê e original, oposições unem o cotidiano incomum de um ser sobrevivente, lidando de forma bruta com seu interior. Suas mães ditam suas manhãs, seus inimigos animam sua noite. O objetivo da personagem é fazer o leitor abrir a mente, sentir o corpo, rasgar o espírito. Permita que Vitória entregue seu íntimo, aceite toda e qualquer ânsia de vontade.

Entre barbantes

Vitória é uma menina sonhadora, que ama as artes de um jeito que ninguém consegue entender. Só quem a entende é seu amiguinho Jorge, um rapazinho pouco mais velho que ela, que a ajuda nos momentos que ela mais precisa… especialmente com uma mãe internada num hospital psiquiátrico e um pai que quer lhe ver pelas costas… além da sua riqueza de origem duvidosa…
A única adulta que olha pela pobre garotinha é Vilma, a tia que ajuda a criar Jorge, que perdeu os pais recentemente…
Quem olha assim, pensa que Vitória é a menina rica abandonada em meio ao luxo que seus pais proporcionam, para suprimir o carinho que não dão, por estarem sempre trabalhando… Ela só queria ter uma família que lhe amasse e cuidasse de sua infância e adolescência… era pedir demais?
Para completar, temos uma prima mais velha, Luiza, que não se contenta com a inveja que sente da riqueza da garota e faz de tudo para prejudicar a coitadinha… O pai, Max, nem liga para o que a filha diz… só para o que as pessoas dizem que ela é capaz de fazer… Cada vez a isola mais e mais… o que a faz pintar quadros e mais quadros, retratando toda sua fúria e descontentamento… Mas o que era para ser uma válvula de escape, acaba se tornando rentável para Max, que vê na menininha a galinhas dos ovos de ouro… Logo, quanto mais a menina fica zangada, mais quadros caríssimos ela pinta… que obviamente não deixam rica, mas o papai que cuida tão bem do futuro da filha… só que não…
Enquanto isso, do outro lado da cidade, temos Mary, uma mulher famosa por ser palestrante e defensora fervorosa do feminismo e corre atrás de justiça para mulheres que são inferiorizadas pelos cônjuges. Mas por trás da mulher forte, independente e justa, se esconde uma serial killer, capaz de cometer os crimes mais nojentos que se possa imaginar… e não sente um pingo de pena ou remorso… e, caso venha a sentir que está começando “a amolecer”, trata de acabar logo com o plano e partir para outro assassinato.
O que Mary tem a ver com a família de Vitória? Bom… tudo! Eis que Mary é a mãe verdadeira de Vitória, mas trocou de identidade com sua xará (ainda que aportuguesada), Maria, que finge ser a mãe verdadeira de Vitória e cuida da menina à distância, enquanto a mãe verdadeira vive uma vida de total libertinagem e crimes…
A pobre Vitória nunca entendeu por que tem pais assim tão distantes dela… a mãe, que até então estava internada, de repente começa a sair com a menina para parquinhos e festinhas, como se nada tivesse acontecido… Max depois some do mapa, larga a menina com Maria e sai pelo mundo… Vilma some do mapa também… E só lhe restam lembranças dolorosas e fortes… que giram em torno de poesias… que ela nunca soube a origem…

“[…] Não importa o que Max disse, ela sempre será sua filha. Sou a mulher que sou, logo, eu prometo estar sempre aqui pela Vitória. Sempre.”

Já deixo adiantado que eu me surpreendi e muito com esse livro… em especial quando descobrimos quem são os personagens da vida de Vitória… ou melhor… que eles existiram, mas nunca existiram… Parece confuso? E é mesmo… confuso pacas! Eu tinha um ódio mortal de Max, pelas atrocidades que fazia com a menina… Com Mary que largou a filha como se fosse um saco de batatas e foi curtir a vida, subornando por anos a Maria, que só queria que Vitória tivesse um lar…
Mas o que todos (inclusive o leitor) descobriram depois, foi que na verdade… Vitoria nunca passou por nada do que ela se lembra… Max, Vilma, Jorge, Luiza, Mary… todas essas pessoas existem, mas nunca foram parentes da Vitória. Eles são parte de um mundo que ela mesma criou na mente dela…
Sim, estamos falando de Vitória, uma paciente psiquiátrica que está há anos internada, sem esperança de cura. Ela tem quase 40 anos, mas na cabeça dela, é como se tivesse apenas 10. Seus pais já faleceram e a única pessoa que a ama como filha, na verdade é Maria, a médica responsável pelo tratamento dela há anos, e que praticamente a adotou.
Maria e Mary de fato se conhecem… Mas elas nenhuma delas nunca fora a mãe biológica da garota… no entanto, de uma forma subliminar, espiritual, mística… não sei como definir… Vitória sabe do que Mary é capaz e sabe como será o fim que lhe espera… na real ela sabe o fim de todos, até dela mesma, através de seus devaneios, que lhe parecem tão reais… E quem manda todas essas mensagens é Vilma, um ser que vive na mente de Vitória, responsável pelos nós do barbante da vida dela.
Quando foi revelado, quem era a tia Vilma, me lembrei logo do filme Divertidamente, onde os sentimentos comandavam a mente da garota e guardavam as lembranças dela de uma forma divertida de entender. Mas pense em como seria isso, na mente de uma pessoa que sofre de uma doença psiquiátrica? Em momento algum foi revelada a doença de Vitória, apenas que ela a tem por anos e não tem cura, apenas uma forma de controlar, que só foi descoberta anos depois de seus pais morrerem. Ela nunca soube quem são seus pais biológicos, e Maria não quer que a menina descubra assim, repentinamente, que é órfã e adulta…

“Minha aprendiza inicia um novo ciclo. O sofrimento e a incompreensão fazem parte do seu caminho, mas por mais que sua mente seja traiçoeira, é por meio dessa personalidade que a justiça se formará.”

A cada lembrança supostamente dolorosa que tem, é um momento de surto que Vilma cria na mente da garota, a quem chama de “aprendiza”. Para Vilma, esse é uma forma de educar a menina, para que ela possa enxergar a arte. Mas toda vez que Jorge aparece (ele também vive na mente de Vitória), a insegurança da menina aumenta ainda mais, fazendo os surtos mais fortes.

“-E como está seu aprendiz?
-Como deve estar. Meu aprendiz é um sabiá, canta a alegria da vida apesar dos males da vida.
-E sobreviverá?
-A vida existe, só posso dizer isso, minha companheira.”

Ler esse livro é não saber para onde se está indo, literalmente. Somos apresentado a uma garotinha que não tem carinho dos pais, depois ela acorda como uma adulta, que ainda não sabe discernir o que é real do imaginário… no fundo tudo é real ara ela. E ainda temos o mistério das pessoas que rondam seus pensamentos, que para ela são tão reais, mas que nunca fizeram parte de sua vida… mas são reais fazendo suas maldades em outros lugares, ligados a Vitória de alguma forma, por serem conhecidos dos médicos que cuidam dela.
Confesso que fiquei surpresa com tanta reviravolta. O livro é muito bom, pois assim temos uma noção de como funciona a mente de um paciente psiquiátrico. Os surtos eram tão reais, tão detalhados, que não sabia se sentia dó de Vitória, ou tentava me convencer de que aquilo não era real no livro. Maria, uma médica experiente e dedicada, acaba desenvolvendo um amor de mãe por Vitória, e é uma relação tão linda de se ver. Ela não tem coragem de dizer que a pobre mulher tem quase 40 anos, mas também não pode fazê-la acreditar que ainda tem 10 anos… Então engana a menina, dizendo que ela tem 19… Isso convence Vitória, mas me pergunto se em nenhum momento ela passou por um espelho e não reparou que estava “velha demais” para 19 anos e nunca questionou… Acho que ela estava mais ocupada com as visões que Vilma lhe enviava através dos surtos… que só diminuem quando o oposto de Vilma, Flor aparece.

 

Entre Barbantes
Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna

Vilma e Flor, assim como Jorge, são seres responsáveis pelas memórias de Vitória. Sejam elas reais ou não, elas comandam tudo que se passa na cabeça da moça… Assim como na de muita gente ao seu redor… Mas não sei ainda como posso definir o que elas são, já que elas mesmas falam que são Vitória, mas Vitória está prestes a encontrá-las em algum momento, literalmente. Se são espíritos, então Vitória era assombrada por toda a vida, e sabia de muita coisa, coisa suficiente para deixar qualquer pessoa insana.
Se são a mente de Vitória, pura e simplesmente, com várias personalidades… aparentemente a moça era médium e podia prever o futuro por meio de poemas… já que muita coisa que ela escrevia durante o livro, acontece em algum momento na história.
A única coisa que posso falar é que Vitória, de alguma maneira, é uma moça especial. Ela tem um dom que ninguém consegue compreender. Ela tem um talento para quadros que valem muito. Ela tem talento para poemas que revelam mistérios… Ela é um ser estranho, resumindo em uma única expressão.
O que me surpreendeu foi a Leticia (a autora do livro). Quando ela mandou o email perguntando se eu  aceitava a parceria, vi a capa do livro e achei que fosse mais um romance adolescente, afinal ela disse ter começado a escrever aos 15 e terminou aos 17. Sério, ela disse que era “um romance clichê”, então já me preparei para muita cenas água com açúcar… que tinham mesmo quando retratava a relação de Vitória e Jorge, amigos de infância e, aparentemente, primeiro amor. Mas quando o pai dela começou a fazer certas coisas, com uma menina de 10 anos… aquilo me saiu do clichê e foi para o revoltante!
E mais embasbacada fiquei, quando soube que tudo aquilo era obra de Vilma, que até agora não sei o que é, mas continua existindo, de certa forma. Na boa, acho que a ideia da Leticia era enganar os leitores com o termo “clichê”, mas de clichê não tem nada! Eu sofri muito com Vitória, assim como ela, não sabia quando era real e quando não eram as cenas que ela via. Era tudo tão detalhado, tão forte, que eu me sentia a própria Vitória naquela cena, como expectadora de tanta coisa abominável.
Com esse livro, você vai chorar, vai sorrir, vai querer socar a cara de um, e depois descobrir até que ponto sua mente é capaz de fazer você acreditar em algo e defender algo que não é real, mas você tem certeza de que viu. No fim das contas, Vilma é real? E Flor, seu oposto, também é real? Estão em nossas mentes, sendo nosso equilíbrio emocional? Ou até isso é imaginação de Vitória?
A leitura é fluida e você não sente as páginas passando… mas uma coisa é certa… você vai terminar o livro e não terá certeza de nada nesse mundo…
Se eu gostei? Gostei bastante! Ainda mais por ser um livro que te faz pensar que tudo é possível nesse mundo. Até que ponto todos somos “normais”? Até quando devemos acreditar em tudo que pensamos e temos a certeza de que vivemos? Até que ponto você acorda e pensa que tudo o que tá vivendo só pode ser um sonho, ou tem aquela absoluta certeza de que viveu tudo aquilo e tem a sensação de deja vú? E quem controla isso tudo?
É muita coisa para pensar… é muita filosofia, em especial quando Flor parece e tenta dar equilíbrio na vida de Vitória, contra vontade de Vilma. Ela conversam tanto sobre conceito de vida, de realidade, de consciência… que chega a ser filosófico. E os poemas pelos quais Vitória se expressava nos surtos, são uma coisa linda de se ler. Eu não sou muito fã desse tipo de literatura, mas tenho que admitir que são lindos e muito fortes.

 

“O instante agonizante, o correr do inquietante
Aromas distantes, declarou o relevante
Arrepios berram, encerram o declarante
Contudo, renasço: Avante!
Evapora tal rocha de minha carne, sentidos confortante…
Drusa de ametista nasce em minha face, conforto constante
Acaricio cada parte, descarto barbantes
Barbantes infestados de lama, o ser repugnante…
Avante!”

Se você quer ter inúmeros sentimentos numa leitura, recomendo ‘Entre barbantes’. Depois desse livro, acho que você vai refletir um pouco mais sobre aquela frase “entre o céu e a terra, existem mais coisas do que duvidam nossa vã filosofia”.

 

E li a versão em pdf, então posso falar que a fonte está num tamanho legível e que os capítulos estão bem divididos. Gostei bastante também do início de cada capítulo, que começa com um nó de barbante como ornamentação. A história é narrada pela própria Vilma, que se apresenta no decorrer do livro, enquanto comanda os surtos de Vitória.
Sobre a autora:

Leticia Mariana
Foto: Leticia Mariana | Editora Multifoco

Leticia Mariana é uma jovem, 18 anos de idade, apaixonada pela arte de ler e escrever. Aos sete anos de idade já produzia seus livros artesanalmente e vendia aos conhecidos. Suas poesias, sempre elogiadas pelos professores, já foram publicadas em sites e jornais. Aos 15 anos iniciou a presente obra e hoje demonstra maturidade e sensibilidade, entrelaçando os leitores na surpreendente teia de barbantes da personagem.

Caso queiram ter o livro físico, ele está à venda no site da editora. Para saber mais sobre a obra, podem seguir as redes sociais da autora:

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Postado por:

Hanna de Paiva

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