11 de October de 2022

Sombras Sobre as Estrelas | Gislaine Azevedo

Olá meu povo, como estamos? Hoje trago a resenha de mais um romance nacional. Continuando a trilogia ‘O Sangue de Afrodite’, agora vemos mais um capítulo dos acontecimentos com ‘Sobras Sobre as Estrelas’, de Gislaine Azevedo. 

Sombras Sobre as Estrelas
Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna

Obs.1: Pode conter spoilers do primeiro volume.

Obs.2: Livro lido em parceria com a autora (publicidade)

ALERTA: Pode conter gatilhos de violência sexual, assassinato e caça. 

52/24

Livro: Sombras Sobre as Estrelas 

Autora: Gislaine Azevedo 

Editora: UICLAP (Independente)

Ano: 2020

Páginas: 138

Skoob 

Apolo é a continuação de seu pai na avenida do passado e a continuação de sua mãe na luz das cavernas interiores da alma. Um mochileiro sempre disposto a abrir-se para novas possibilidades, apaixonado pela astronomia e antigas civilizações, encontrará na Amazônia um sentido de vida ao se deparar com os desafios enfrentados pela preservação da floresta. Em uma jornada de encontros e aprendizados, descobrirá um mito poderoso de uma árvore considerada a mãe da Amazônia, a Sumaúma, e essa presenciará um amor noético além do ponteiro e relógio dos homens. Nesse caminho, alguns estarão separados pelo tempo e espaço: precisarão revisitar o passado para descobrir uma nova possibilidade de ressignificar aquilo que, pela lógica, não podem mudar. O Filho de Ártemis está pronto para uma jornada pelas sombras sobre as estrelas.

Apolo é um rapaz sonhador e está sempre buscando a resposta para a pergunta que todos se fazem em algum momento: “quem sou eu e qual marca vou deixar no mundo?”. Seguindo os passos da mãe, Diana, ele vai aonde seu coração manda.   

Sempre com uma mochila nas costas, roda o mundo procurando saber mais sobre antigas civilizações e astronomia; o que, na sua cabeça, está intimamente relacionado. O desejo vem de suas próprias raízes, pois é filho de duas nacionalidades repletas de histórias interessantes: a grega e a brasileira.   

Seu próximo destino é a Floresta Amazônica, a qual guarda segredos milenares sobre o mundo como conhecemos (ou pelo menos achamos). No entanto, a jornada não será simples, de modo especial quando conhece algumas peculiaridades que a Mãe Natureza é capaz de oferecer apenas para quem mantiver olhos e ouvidos bem atentos.

“Que os rótulos sociais não nos definam, mas sim o quanto de divino há em cada um de nós.”

Esse é o segundo volume da trilogia que começou em ‘O Sangue de Afrodite’. O primeiro tinha foco em Diana e sua trajetória em ambos os lados do oceano. A mocinha fez diversas descobertas no âmbito sentimental e espiritual.

Além disso, foi nesse momento que ela viu concretizar a célebre frase de Shakespeare: “existem mais coisas entre o céu e a terra do que duvidam nossa vã filosofia.”   Depois de uma viagem ao estilo ‘Dark’ e ‘O Segredo do Templo’, ela voltou mais madura e ciente de si.      

Disposta a sempre questionar a tudo e todos, a jovem não baixou a cabeça para mais nada e foi ser feliz no Brasil. Enquanto isso, Apolo, fruto de seu romance proibido com Julio, crescia e era criado com muito amore carinho (pasmem!) por Iolaus na Grécia.   

Já adulto, o rapaz compartilha com a mãe a personalidade curiosa e o fascínio por civilizações antigas. Não apenas isso, mas toda a filosofia e os conhecimentos desenvolvidos tantos séculos atrás chamam a atenção de Apolo, que é o foco de ‘Sombras Sobre as Estrelas’.   

Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna

Mantendo a narrativa em primeira pessoa, ainda temos a história contada pela própria Diana. No entanto, já no primeiro volume achei sem sentido que a mocinha soubesse de tantos fatos com propriedade sem nem estar nas cenas. Agora a sensação ficou ainda mais marcante, pois praticamente não participa de cena alguma.   

Assim, continuo com a impressão de que a moça está nos contando uma grande fofoca. Ainda acho que o problema seria resolvido se mantivesse a narrativa em primeira pessoa, mas pelo ângulo de outro personagem realmente presente na cena, ou mesmo em terceira, já que a narrativa pede uma visão mais ampla dos acontecimentos.   

Em relação à trama em si, agora damos um salto no tempo, indo para frente ou para trás, dependendo do ângulo que você olhe. Dessa forma, estamos em 2015, na realidade de Apolo, com vislumbres de 2031 e também de séculos passados. Isso porque personagens secundários do primeiro volume passam a brilhar mais nessa segunda parte.   

Minha felicidade foi enorme ao ver Naomi e Maya tendo mais voz na trama. Se antes as achava mulheres incríveis e fortes, agora digo que merecem ainda mais o meu respeito. Elas saíram da Ordem (que regula a linha do tempo e tem como objetivo localizar o Bracelete de Afrodite), muito revoltadas após uma série de acontecimentos por parte de sua superior.

“…Há coisas que levarão décadas para serem decifradas.”

Naomi não sabe o que fazer da vida sem se adaptar às regras da Ordem. Contudo, se recusa a reconhecer sua verdadeira origem indígena. Por sua vez, Maya só pensa em voltar no tempo para reencontrar Knut, seu grande amor viking. 

A coitada ainda sofre um bocado por ter sido obrigada a deixar o guerreiro para trás, em nome da missão para guiar a jornada de Diana, que veio a se tornar sua amiga. Com o intuito de curtir a fossa, as exiladas resolveram passear um pouco, porém atravessaram o portal errado e cruzaram com a linha do tempo de Apolo por acidente.    

No entanto, voltar para a realidade que lhes pertence pode ser bem difícil, já que Maya fica presa em 2015 e Naomi se perde ainda mais no tempo, viajando para a época do Descobrimento do Brasil. Contudo, o que parecia ser uma grande enrascada pode ser uma oportunidade de aprender mais sobre si mesmas. 

Mantendo a vibe do primeiro volume, todos os acontecimentos não fazem sentido, mas depois se encaixam. Tudo está interligado e uma pequena mudança no passado pode alterar todo o futuro.

“Benditas sejam as pedras no meio do caminho da nossa existência!”

Com a narrativa ora no passado, ora no presente, os fatos passam a ser mostrados pelo ângulo de Naomi lá nos idos do século XVI e pelo ângulo de Apolo, desbravando os segredos dos indígenas atuais.  

Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna

A trama gira em torno da história da Sumaúma, uma árvore lendária da Amazônia. Ela tem mais de 1000 anos e mostra que ainda existe magia no mundo, se você acreditar nela e escutar o que suas raízes tem a dizer.

Apolo é biólogo e especializado em botânica. Logo, sua viagem até as matas tupiniquins tem tanto um fundo científico quanto filosófico. Confesso que fiquei muito feliz ao perceber isso, de modo especial por ser uma área não muito presente na literatura (ainda mais em era de tantos CEO’s pipocando por aí).   

Então, me senti representada ao ver um colega de profissão como protagonista. Ainda assim não sei se o intuito da autora era esse, mas ela explorou algo interessante e que meus professores insistiam em nos lembrar durante minhas aulas da faculdade: nunca subestime a sabedoria popular.

Isso porque, embora seu conhecimento no banco da graduação seja importante, ele muitas vezes é análogo ao que seu avô conhecia pela experiência de viver nas matas, mas apenas é passado de uma maneira diferente. Ou até mesmo te aponte um caminho mais simples para encontrar as respostas que o conhecimento técnico e cheio de regras não te mostra.   

Além disso, a história faz uma viagem ao redor de países que não são tão frequentes em minhas leituras, como Grécia e Peru. E, mesmo no Brasil, tem muitos estados que mal sei da cultura, por também não ler muito a respeito (#shame). Assim, foi bom expandir os horizontes até Manaus e aprender um pouco sobre os povos indígenas e suas crenças.

Apolo pode ser um rapaz rico, criado em luxo e riqueza, fornecidos por Iolaus (o qual não mudou nada, diga-se de passagem). No entanto, puxou de Diana e de Julio (seu pai biológico) a simplicidade e humildade. Assim, é um rapaz mais gente como a gente, super na paz e aberto a todo tipo de conversa. 

Logo, a amizade que faz com o pajé Mauá é instantânea, porém linda de se ver. O indígena é um pensador, que vê o mundo do jeito dele e segue a música da vida. Não apenas ele, mas todos na aldeia o recebem muito bem. 

De modo especial Peri, uma criança que rouba a cena toda vez que aparece.   Tem energia e faz bastante bagunça, assim como qualquer garotinho da sua idade, mas também tem a mente aberta e sabe que deve respeitar o que é sagrado para seu povo. Mesmo tão pequeno, consegue ensinar diversas lições para Apolo, de uma forma tão linda, que me vi sorrindo em diversos momentos.

Por sua vez, Naomi foi parar por acidente na época das Grandes Navegações. Assim, para na mesma aldeia, porém séculos antes de seu nascimento. Embora sem entender como foi parar ali, ela só tenta sobreviver a um mundo bem mais machista do que conhecemos hoje (supondo que seja possível, pois muitos comportamentos retrógrados não parecem ter mudado tanto de lá para cá, infelizmente).   

Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna

Nesse meio tempo, aprende verdades profundas sobre o sangue que corre em suas veias. Tão profundas quanto as raízes da Sumaúma, a única personagem que não fala, mas que tem mais sabedoria que todo o elenco reunido. Quem lhe acompanha nessa jornada de autoconhecimento é Moacir, o pajé da aldeia na época do Descobrimento.

“Todos brilhamos por dentro. Quando não encontramos esse brilho, focamos no exterior.”

 Apesar de a trama parecer confusa em um primeiro instante, a verdade é que a autora dá um tapa com luva de pelica na cara da sociedade. Mostrando de diversas maneiras que, tanto Naomi no século XVI quanto Apolo no presente, encaram a mesma realidade: a luta da modernidade querendo esmagar o conhecimento antigo.   

Ela enfrenta portugueses chegando nas praias brasileiras se dizendo donos da terra e os únicos detentores da Verdade absoluta. Já o rapaz luta contra pessoas que defendem o progresso em primeiro lugar. Ler e constatar que certas coisas nunca mudam é doloroso e deixa um gosto amargo. Talvez por isso eu não tenha conseguido ler a obra tão rápido, mesmo tendo poucas páginas.   

Precisei digerir devagar todos os acontecimentos, especialmente porque a autora tocou em assuntos delicados e noticiados há pouco tempo. Embora deixe o livro bem atual, é um fato triste da nossa história, o qual precisamos encarar.

O desfecho é bem desenvolvido e digno. No entanto, deixa pontas soltas de propósito, já dando uma dica do que encontraremos no terceiro volume. A escrita da autora ficou bem mais fluida do que no primeiro volume, porém ainda existem coisas que me incomodam, como erros de revisão e alguns conhecimentos colocados de modo mais técnico.   

Mesmo que Apolo seja graduado, ao contrário de sua mãe, ele não é da área de psicologia. Muito menos o Mauá, que nunca entrou numa universidade. No entanto, devo dizer que a autora teve um pouco mais de cuidado nessa parte e deixou algumas passagens mais palatáveis e menos incômodas para o leitor.   Em relação ao livro em si, dessa vez eu li a versão física.

Então, posso dizer que tem uma letra legível e as páginas são amareladinhas, deixando a experiência de leitura confortável. A capa é mais molinha e não tem orelha. Dessa forma, as pontas ficam descapelando se não tiver cuidado ao manusear.

A arte é mais bonita e objetiva do que a da capa do primeiro livro. Dessa vez, traz a Sumaúma em destaque, com duas silhuetas que acredito serem Apolo e Naomi de cada lado, simbolizando a separação deles pela linha do tempo. Só não gostei da escolha de cores, pois o título ficou meio apagado na sombra da árvore.   

Apesar das ressalvas, ainda é um livro que gostei de ler e recomendo, especialmente se você curte aquelas tramas com bastante viagem no tempo e no clima de ‘tudo está interligado”.

E aí, o que acharam? Curtem romances que discutam esse lado mais espiritual da nossa história?

Obs.: Texto revisado por Emerson Silva

Postado por:

Hanna de Paiva

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