Um fenômeno chamado Síndrome de Falsa Memória está afetando a população ao redor do mundo e é altamente contagiosa. Conhecida pela sigla SFM, ela é a causadora de diversos suicídios e acidentes nos últimos tempos.
Isso porque a pessoa afetada começa a se lembrar de fatos que jamais fizeram parte de sua vida, ao ponto das vítimas questionarem o que de fato é real ou ilusão e enlouquecerem em busca da resposta. Barry Sutton foi convocado para investigar um caso desses, onde uma moça chamada Ann Von Peters caiu de um dos prédios mais altos por não aguentar mais sofrer pela SFM.
O detetive não acredita que esse seja o único fator que tenha levado ao fim da vida da moça. Assim, começa a investigar a trajetória de Ann para entender o que era verdade e o que poderia ser ilusões de uma doença sem cura. No entanto, ele esbarra em um dos casos mais estranhos e inacreditáveis de sua carreira.
Eis que sua vítima foi apenas o começo de todo uma teia de mistérios e esquemas que só alguém com a mente bem aberta seria capaz de compreender.
Enquanto tenta não se render aos sintomas da SFM, Barry se une a Helena Smith, a única neurocientista capaz de interpretar e deter os fenômenos antes que seja tarde. Mas para isso, é preciso pensar além do jamais imaginado. Será que o detetive conseguirá encaixar todas as peças que faltam no quebra-cabeças antes que o mundo como conhecemos desmorone?
“Se Barry é detetive há vinte e três anos, é porque adora solucionar enigmas, e esse, essa sequência contraditória de eventos, está sussurrando seu nome – um mistério que ele está se coçando para desvendar.”
‘Recursão’ foi um livro muito hypado logo quando a editora anunciou o lançamento em território nacional. Por conta disso, ambos os livros do autor (esse e Matéria Escura, que ainda está na minha lista de desejados) foram bastante comentados e o preço estava lá nas alturas.
Após muito tempo, consegui comprar o exemplar e tinha certa curiosidade, embora o medo de me decepcionar com as expectativas também fosse grande. Como consequência, a obra ficou parada na estante pegando poeira até o fim do ano passado, quando decidi colocar na pilha para o 12 Livros. Minha surpresa foi enorme quando vi que seria o lido de junho e a mistura de expectativa com receio pela decepção voltaram.
Mas, após conferir a sinopse, decidi respirar fundo, deixei a mente bem aberta e li, mesmo temerosa. O resultado: uma das melhores leituras que fiz em 2023 (talvez da minha vida inteira).
A trama começa com Barry tentando impedir que Ann Voss Peters se jogue de um prédio, porém sem sucesso. No entanto, antes de morrer, a moça alega fatos estranhos, como ter uma vida que não lhe pertence. O detetive, a princípio, acha que são os sintomas da Síndrome de Falsas Memórias, um fenômeno cada vez mais comum entre as pessoas.
Contudo, ele fica curioso por Ann falar com tanta propriedade sobre a suposta vida falsa e decide investigar o que era real em seus relatos, como uma maneira de fazer sua alma descansar em paz. Conforme suas pesquisas avançam, Barry percebe que não está preparado para o que vai descobrir.
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Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna |
De certa forma, a moça falava a verdade, ainda que fosse impossível no presente. Mas se pensássemos nos limites que a mente humana é capaz de alcançar, as coisas mudam de figura. Embora essas coisas só possam acontecer em filmes ou quadrinhos, o detetive começa a perceber que tudo não passa de uma questão de ponto de vista e acreditar em seus instintos.
Ao longo das páginas, somos levados por uma narrativa não-linear, que mostram os fatos pelo ângulo de Barry e de Helena, a causadora (ainda que indiretamente) da SFM. E aqui saímos de somente um thriller para um scifi que fez o meu cérebro explodir.
“Se quiser entender o mundo, é preciso entender, mas entender de verdade, como o vivenciamos.”
“[…] É intrincado demais, mesmo para sua mente de investigador, para ter sido inventado.”
Quando conhecemos Helena, começamos também a entender o motivo dos fenômenos que afligem tanta gente, ao ponto de quererem se matar para dar fim ao sofrimento de se lembrar por algo que nunca viveram. A moça é uma neurocientista brilhante e sonhadora.
Com problemas financeiros para manter seus projetos em curso, acaba se submetendo a algumas condições das quais depois se arrepende. Tudo o que ela queria era uma forma de ajudar pessoas como sua mãe, as quais estão perdendo suas memórias para doenças degenerativas.
No entanto, foi bem além disso e descobre que inventou uma forma de mexer não apenas com as memórias, mas também com a realidade (ou o que entendemos como tal). Embora seja uma ideia genial e jamais imaginada, tal descoberta poderia ser uma arma na mão de pessoas poderosas. Mas ela não pode deter o que está prestes a acontecer, ao menos não sozinha.
Quando o destino da cientista e de Barry se cruzam, porém, a esperança surge. Em uma corrida desenfreada para deter as consequências da SFM, eles percebem que a realidade é apenas um ponto de vista e que o mundo vai muito além disso. Além disso, vidas que se cruzam, déjà-vu e sonhos podem estar entrelaçados de uma forma que a ciência ainda não está pronta para desvendar.
A química desses dois é fantástica e não sei se posso dizer que foi instantânea. Conforme eu lia e compreendia os acontecimentos, me via fazendo as pesquisas junto com eles e torcendo para que conseguissem salvar o mundo. Ainda, tempo é uma questão muito relativa e eu vi o quanto sentimentos (bons e ruins) podem ser eternos de verdade, se você estiver aberto para entender quanto tempo ele dura.
Helena e Barry enfrentam seus limites, seus medos, suas descobertas e relações. Vi que talvez se eu tivesse a mesma chance que eles de refazer, literalmente, minha vida tantas vezes, não sei se me encaixaria nesse mundo (com a mente que tenho hoje, já penso assim, que dirá com a sabedoria e a maturidade que esses dois adquirindo).
“Talvez ele tivesse razão. Só se pode compreender verdadeiramente a si mesmo quando se vive muitas vidas. Talvez o milionário não estivesse completamente maluco, afinal de contas.”
Não apenas eles, mas os próprios personagens secundários dão um show a parte. São um elenco inteligente, bem construído e sagaz. Realmente sabem porque estão ali e cumprem seu papel com genialidade.
É incrível como algumas coisas são cíclicas, certas de que irão acontecer, mas a sociedade nunca aprende. Me dava agonia ver tantas cenas repetidas, nas quais pessoas poderosas só faziam mais do mesmo.
E ainda que fizessem um caminho diferente, sempre tem algum ponto que vai te levar ao mesmo desfecho, pois a mentalidade não se altera. Talvez seja isso o que o autor quis mostrar e conseguiu com maestria.
Exatamente por esse motivo o mundo não está maduro nem preparado para a descoberta de Helena. A vibe do livro é bem ao estilo ‘Dark’ e ‘12 Macacos’, onde nada faz sentido, mas tudo se explica de uma
forma que te dá um tapa na cara.
A cada constatação eu só ficava triste, ao mesmo tempo que reflexiva. Como já falei antes, não sei o que eu faria se tivesse a chance da dupla, se seria mais egoísta e provaria a hipótese da cientista, ou se seria mais altruísta e faria algo pelo mundo, ainda que ele não mereça. No entanto, batemos no mesmo assunto dos parágrafos anteriores, onde por mais que eu fizesse uma ação diferente, talvez toda a realidade seria outra, mas nossa mentalidade, não.
Nesse loop infinito de “e se”, eu devorei esse livro e queria saber o que ia acontecer na próxima página. Devo ter acabado todo o meu estoque de post-it’s (já conferiram o post com os quotes de ‘Recursão’?), além de ter ficado com a trilha sonora de ‘Dark’ na cabeça, pois só me vinha ela quando eu abria ‘Recursão’ e mergulhava na história de novo.
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Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna |
Até cedi aos desejos do meu cérebro e coloquei de fato as músicas para tocar enquanto lia, o que foi um grande acerto. Cheguei tão fundo que estou escrevendo esta resenha ainda neste som e nem sei se voltarei à minha realidade tão cedo.
O que posso dizer é que fui quebrada em milhões de partículas com essa leitura, tomei diversos socos no estômago, tapas na cara com luvas de pelica e nunca mais serei a mesma. ‘Recursão’ de fato merece o hype e ainda não vi se tinha adaptação, mas com certeza vou querer assistir depois.
Falando sobre o livro em si, minha edição é a de capa dura, uma das mais lindas da minha estante. Toda em tons de amarelo, preto e prata, numa combinação simples, porém espetacular. As páginas são amareladas e mais grossas que, juntamente a uma boa revisão, fonte confortável e legível, renderam uma ótima combinação.
A escrita fluida do autor e os capítulos curtos no início ajudaram também a deixar a experiência mais imersiva e difícil de retornar à realidade (ou ao que penso ser a realidade), como é o objetivo principal. Em resumo, essa foi uma leitura maravilhosa, mas que não me arrependo de ter lido antes.
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Foto: Hanna de Paiva | Mundinho da Hanna |
Talvez eu não compreenderia a mensagem dele logo que comprei e teria que me preparar para isso. Ainda assim, não sei se posso dizer que compreendi plenamente, porém essa obra de fato mexeu comigo. Recomendo a leitura, em especial se vocês também gostam de ficar reflexivos por dias.
Helaina Carvalho
Oi Hanna, tudo bem?
Nossa, não conhecia nada do autor, mas já quero esse livro pra ontem. Achei muito interessante a proposta e eu particularmente gosto de histórias que dão nó no cérebro. Um livro que me deixou pensando nele por um bom tempo foi o "A pequena loja de venenos", mas acho que o fato se deve mais por ter falado diretamente comigo do que pelo tema do livro.
Até breve;
Helaina (Escritora || Blogueira)
https://hipercriativa.blogspot.com
Cida
Oi Hanna! Realmente parece ir além do que eu esperava, a leitura parece ter causado grande impacto em você. Preciso mesmo conferir sem falta. Bjos!! Cida
Moonlight Books
Leyanne
Nossa, que saudade desse livro. Amei as suas considerações, e também gostei de ler a resenha com a trilha sonora. Amo Dark e recentemente também revi a série, agora com saudades dela também kkk.
Bjs
Imersão Literária
Hanna Carolina Lins
Então te recomendo Recursão, vai ficar pensando nele por dias, se não mais. Esse que você falou ainda não li, mas tenho muita vontade.
Hanna Carolina Lins
Sim, amiga. Causou um impacto inesperado e valeu todo o hype que teve quando lançou.
Hanna Carolina Lins
Realmente é um livro que deixa saudades, né? Essa música é um chiclete. Basta eu pensar em Recursão, que ela vem em automático na minha mente.